O ESTADO DA (I)NAÇÃO BELICAMENTE ASSUMIDO

Eu, no pedestal da minha cidadania plena, enquanto chefe indígena, tenho um sonho! Nunca mais ser escravizado e colonizado, principalmente, pelo “homem novo”, criação laboratorial mal parida (desde 1975), do MPLA.

Por William Tonet

Sim, é um sonho legítimo, que calcorreia desde 1975, na minha biblioteca mental, augurando uma verdadeira ruptura com a Angola colonial, que perdura, complexadamente, na maternidade mental de um regime que algemou o país.

A Angola real, geme, sofre, não tem água, luz, escolas, cadernos, carteiras, lápis, saúde, justiça e paz, até ao dia 16.10.23, logo, muito distante do país gráfico-estatístico discriminador da cidadania plena.

Os autóctones ouviram impávidos, em Outubro de 2023 (consulado de JLO), que cerca de 14 biliões (mil milhões) de dólares, constitui a reserva financeira do país, para cerca de sete (7) meses de salários, significando, na opinião presidencial, superar os mais de 15 biliões (mil milhões) encontrados e denunciados no 19.11.18, no auge das lutas das navalhas, asseverando estarem os cofres vazios.

“(…) Encontrámos os cofres do Estado vazios e com a tentativa de os esvaziarem ainda mais! Como se isso não bastasse, ainda houve a tentativa de retirada dos parcos recursos do Estado de cerca de 1,5 mil milhões de dólares para serem depositados numa conta no exterior de uma empresa de fachada, numa jogada de alto risco, depois de terem saído 500 milhões de dólares”.

Disse à época (19.11.2018), na lógica do bom assimilado, ao Semanário Expresso, João Lourenço, para agradar à ex-Metrópole e os portugueses no poder, Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa, antes de os visitar.

Diante de tão ilustre aula de sapiência aritmética do MPLA, em que 4 (quatro) supera 5 (cinco), os angolanos atónitos, compreenderam a longitude do perverso ADN do regime, mesmo intramuros.

E, nesta hora, quando o hino da dislexia supera a razoabilidade interpretativa, não é avisado ameaçar, obrigar ou limitar bélica e politicamente ninguém, a não hastear o art.º 45.º da Constituição, para réplica e correcção de dados estatísticos, desvirtuados da realidade.

A filiação forçada no partido unanimista discursivo constitui uma violação gritante aos direitos fundamentais individuais, só compaginável em regimes totalitários. Será que Angola do MPLA não é?

Eu tinha um sonho de ver um timoneiro a navegar, sob o nosso imenso oceano, acolhendo, nesta fase crítica, as diferentes canoas mentais, como expressão contributiva da irmandade, etnicidade, culturalidade, tradicionalidade e linguística, diversa que banha a representatividade real das várias gentes e micro nações da Angola profunda, excluídas do centro do orçamento governativo.

A lei da conciliação e reconciliação foram espezinhadas com a exaltação, pelo Presidente da República, do controlo absoluto e subjugação dos órgãos legislativo e judicial, quando estes, à luz da Constituição são soberanos, independentes e competentes para escrutinar as suas necessidades e prioridades.

Eu tinha o sonho de ouvir e ver o Presidente da República, diante do hastear de novas bandeiras, reivindicações, autonomias e independências, face o descalabro das políticas económicas do MPLA, o esboço de um projecto para se discutir a consagração de um novo ente jurídico, alavancado por um verdadeiro Poder Constituinte para eleição da primeira Assembleia Constituinte originária e representativa. Debalde!

João Lourenço, no 16.10.23, no pedestal do ADN da intolerância do MPLA, escamoteou a realidade a mão de semear: o povo Lunda consagrou, no dia 08 de Outubro 2023, a “separação” imaterial com o resto do país, cansado de ver espoliados os diamantes, do seu chão, sinónimo de ostentação e riqueza noutras pradarias, mas fome, miséria, desemprego, discriminação, prisões, injustiças e genocídios, no interior dos seus limites geográficos. Desavisado!

Cabinda é outra marginal a clamar e reclamar. Muito! Mas, “savimbiscamente” falando: “estes tipos não mudam”! E não escutam.

Daí o Presidente da República ter falado de uma hipotética estabilidade militar, em todo espaço territorial, quando a FLEC, por mais que doa, não deve a sua existência ser escamoteada, face às acções no teatro das operações militares.

Mesmo sendo considerados residuais, a lógica guerrilheira estando presente, não deve ser menosprezada, na linha da luta de libertação empreendida pelo MPLA, contra o colonialismo português.

Ademais o sentimento reivindicativo político-social é crescente e calcorreia em todas avenidas mentais da juventude e anciãos de Cabinda face a gritante miséria e incompetência dos gestores nomeados pelo regime central de Luanda.

A baioneta e lei da bala, são a linguagem/força, que distancia mais as margens para um entendimento que se impõe, no tecido territorial. Quando a ferramenta do diálogo deve ser o império de aproximação da separação territorial.

Ademais, nenhuma equação, neste dossier, deve escamotear a união da etnicidade bakongo do imperial e secular Reino Kongo, banhado também pelos rios Kongo (Zaire) até ao Cacongo (Cabinda). Os habitantes e soberanos da capital do Porto do Mbinda, onde desembarcou Diogo Cão, também, reclamam mais-valia e equitativa distribuição do petróleo, enquanto uma das mais importantes riquezas da actual província do Zaire, relegada para as mais pobres regiões do país, quando é responsável por cerca de 70% da produção do petróleo.

Face o desmembramento e insatisfação mental que calcorreia pelas várias regiões orgânicas de um ainda unitário país, o meu sonho era ouvir a possibilidade da elaboração de uma nova Constituição feita com a contribuição das comunidades representativas dos povos e micronações do tecido territorial.

Mas, num de repente, o meu sonho foi abalado pela confusão de conceitos: legitimidade versus legalidade, plantados no relatório do Presidente.

Diante de um quadro de crispação política, como nunca antes, entre MPLA e UNITA, não foi avisado exaltar, alegada legitimidade individual, conferida pelo voto soberano, quando desde 2012, nenhum cidadão eleitor, elege Presidente da República, mas um partido com um cabeça de lista, significando não ser, nem ter sido, nominalmente eleito.

Mais grave, o rito de eleição presidencial é inter pares e não foi cumprido, porquanto o cabeça de lista (art.º109.º), eleito como deputado (art.º143.º), deveria tomar posse, abdicar do mandato (ninguém pode exercer nem ser eleito para dois cargos eletivos, simultaneamente) ser substituído por outro deputado da lista e ser, na Assembleia Nacional, eleito para exercer as funções de Presidente. Isso para afastar a suspeição de continuar como deputado e o MPLA estar com um assento a mais.

Se isso tivesse ocorrido a par de imparcialidade e escrutínio dos actos da CNE (Comissão Eleitoral), em Agosto de 2022, poderia fazê-lo, mas, no caso, a sua legitimidade é igual a dos 219, sendo ele a última unidade dos 220 deputados, por força do artigo 109.º, conjugado com o 143.º, ambos da CRA, denominador do sistema parlamentar e não, como erroneamente, a mente de muitos, assaca como presidencialista.

Eu, talvez, ingenuamente, tive o sonho de ouvir o actual Presidente da República, falar aos lídimos representantes dos povos e micronações, num discurso impactante, nada enfadonho e fastidioso. Errei na perspectiva, mas fui salvo pelo ressonar descomprometido da vice-presidente da República e do PGR, que traduziam o quilométrico relatório…

Eu sonhava com um discurso encerrando uma forte e consistente mensagem capaz de abordar, com pragmatismo, os nefastos efeitos do aumento do preço da gasolina, na vida dos cidadãos, que deixaram de fazer uma a três refeições/dia, alimentando-se, principalmente, os 20 milhões de pobres, nos contentores e monturos de lixo, bem como o caminho para se contornar a grave crise económico-social e política que o país, agora sem dinheiro nos bancos comerciais, atravessa. Infelizmente ameaçou que a vida seria pior, com novos aumentos ao preço dos combustíveis, como exigência do FMI.

O Presidente da República, do meu país, na mensagem à nação (que não existe há 48 anos), passou ao largo, da importância da Educação, que opera com níveis vergonhosos, sem carteiras, quadros, casas de banho, mais de 5.800 (cinco milhões e oitocentas mil) crianças fora do sistema de ensino e 50% sem nunca ter recebido vacinação.

Falou de passes sociais, quando o país não tem autocarros públicos e faixa de circulação exclusiva. Necessidade de investigação científica, quando as universidades públicas (e privadas) não têm campus universitários, laboratórios e casas de banho.

A greve dos professores do ensino geral e universitário, que perdura a mais de três anos, reivindicando melhores condições salariais e de trabalho foram severamente descuradas, em detrimento do indigno e abusivo salário de um expatriado espanhol, considerado incompetente, na liderança da TAAG, que se afunda todos os dias.

A implantação de seitas fundamentalistas islâmicas de cadastro duvidoso, que quadriculam e controlam a soberania económica e financeira, ao invés de merecer a repulsa e indignação, no relatório foi exaltada, por João Lourenço na justificativa de Estado laico (art.º10.º), descurando os efeitos nefastos, que ocorrem no Shael, Líbia e Cabo Delgado, Moçambique. Mais grave, foi a Cultura dos povos ser confundida com o betão imobiliário.

Não foi desta vez, mas eu tenho o sonho de ver as estrelas da liberdade derrubarem do pedestal da arrogância saloia e ditatorial a casta dos “30 vendilhões” ideológicos, que capturaram a terra-mãe dos nossos reinos.

Eu tenho o sonho de ver consagradas as línguas de todos os povos dos reinos, culturas, tradições e costumes, na norma constitucional.

Eu tenho o sonho de ver revogada a lei de investimento, fazendo com que o investidor esteja sempre em parceria com empreendedores autóctones angolanos, alicerçado nos exemplos, do Toyota do Japão, Mahindra da Índia, Hyundai da Coreia do Sul, Zhong Shanshan, fundador da Nongfu Springda China.

O Presidente deveria proibir os estrangeiros do controlo e exploração das minas de inertes e da propriedade de terras aráveis, principalmente, cruzando com rios, podendo ser exploradas, sempre em parceria com autóctones.

Eu tenho o sonho de ver iluminadas todas as sanzalas, proibidos, em nome do ambiente, os geradores, bem como o jorrar de água, na torneira de todas as casas, dando-se ainda o melhor aproveitamento, do precioso líquido, para se acabar com a seca, no Sul de Angola causada, mais por questões da opacidade mental dos dirigentes do regime, que de causas naturais.

Ao terminar tive mais um sonho, o de ouvir o Presidente da República reconhecer o temor do MPLA, sobre as eleições autárquicas, desafiando o seu partido a abandonar os actos delatórios, na Assembleia Nacional visando a aprovação global das leis. Também, esperava o desafio de ver lançadas as sementes da equidade, igualdade, oportunidade, justiça, humildade, que seriam inaugurados com um Pacto de Regime, um encontro com o líder do maior partido da oposição selado com a visão e programas conjuntos, para o encontro de caminhos visando mitigar a crise económica que afecta os milhões de pobres.

Mas, quando cheguei na esquina do vento, dei-me conta de ter sido tudo um sonho irrealizável! Mas a única certeza, nunca deixar de lutar, enquanto haver injustiças, discriminação, ausência de alternância democrática, falta de higiene intelectual e 20 milhões de pretos pobres, sem uma refeição ao dia, ao longo de 48 anos.

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